domingo, 31 de julho de 2011

Sobre Mídia e Essencializações


Não estão equivocados os pressupostos que a Cláudia Laitano parte no texto publicado ontem na Zero Hora.
Concordo plenamente com a autora de que "a 'mídia' é um balaio de gatos informe que não se encontra em estado puro na natureza". Aliás, a autora reivindica com muita propriedade a não-essencialização da mídia.
O problema é quando esta 'a mídia' que não pode ser essencializada produz essencializações, construindo sentidos e representações sociais a partir do pressuposto de que existam fenômenos que se encontram em estado puro na natureza, como, p. ex., o crime e a criminalidade.


Os Suspeitos de Sempre - Cláudia Laitano, Zero Hora, 30/07/2011

Você já deve ter ouvido falar da Lei de Murphy, mas talvez não conheça a curiosa Lei de Godwin, segundo a qual, em uma discussão online que se estende muito, a probabilidade de um dos lados sacar uma comparação envolvendo nazistas, holocausto ou Hitler atinge 100% – não importando se o assunto em pauta é a fome na África ou a taxa de suicídios na Dinamarca. Formulada pelo advogado Mike Godwin em 1990 – em tom de brincadeira, mas com um impressionante fundo de verdade –, a Lei de Godwin serve para chamar a atenção não apenas para a previsibilidade de alguns argumentos, mas também para aquele tipo de manobra intelectual que embreta o debate de tal forma, que fica quase impossível continuar discutindo a sério. É o caso, por exemplo, dos discursos (sobre a fome na África ou a taxa de suicídios na Dinamarca...) que desembocam no indefectível “a culpa é da mídia”. As brasileiras querem ter seios grandes? A culpa é da mídia. Sexualização precoce? A culpa é da mídia. Adolescentes violentos? Idem ibidem.
É provável que quem usa essa linha de raciocínio tenha em mente um tipo específico de veículo de comunicação, maquiavelicamente programado para manipular ideias e emoções, mas o fato é que a “mídia” é um balaio de gatos informe que não se encontra em estado puro na natureza. O poder midiático só existe em relação a um determinado público, que, por sua vez, consome e legitima seus valores de alguma forma. O que a explicação “midiática” fornece, mais do que uma análise profunda de qualquer coisa, é uma espécie de terceirização da culpa. Como se a sociedade fosse melhor do que a mídia que ela consome e não, em grande parte, reflexo dela ou parte dela.
O recurso retórico de culpar a mídia por todos os males morais tornou-se ainda mais anacrônico depois que as redes sociais passaram a expor, em tempo real, a reação individual a determinados temas, antes de qualquer tipo de mediação. As redes sociais revelam como indivíduos interligados reagem diante de assuntos considerados “midiáticos”, exibindo uma espécie de moral coletiva muito mais interessante, em termos de retrato sociológico, do que a posição passiva do espectador/leitor manipulado. Esta semana, graças à avalanche de piadas no Twitter, ficamos sabendo, por exemplo, que boa parte dos brasileiros considera praticamente intolerável que Sandy, associada até hoje ao perfil virginal da adolescência, fale a respeito de prazer e sexo anal em uma entrevista. Esta semana, também vimos que havia uma bolsa de apostas virtual dedicada a acertar a data da morte de Amy Winehouse – a vítima perfeita para o tipo de curiosidade mórbida a respeito da desgraça alheia que boa parte de nós alimenta.
Pode-se colocar a culpa na mídia, na voracidade capitalista, na crise de costumes, mas por trás de cada fenômeno de massa existe uma moral individual, uma escolha particular. E essa escolha, muitas vezes, é consumir a vida dos artistas como se eles fossem personagens de uma grande telenovela: previsíveis, sem nuanças e condenados a viver não as próprias vidas, mas um roteiro escrito unicamente para alimentar o nosso voyeurismo.

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