Crime ao Vivo: a Cobertura do Crime e da Resposta Penal na Imprensa Gaúcha
Vínculo Institucional
GCrim – Grupo de Pesquisa em Ciências Criminais
Departamento de Ciências Penais da Faculdade de Direito da UFRGS.
Linha de Pesquisa
Ciência e Experiência Criminológica: a linha de pesquisa objetiva a investigação crítica da experiência criminológica através da análise dos campos de incidência dos mecanismos formais e informais de controle social, a partir de abordagem que vincula cultura e violência nas sociedades Modernas.
Adequação às Linhas de Pesquisa do Programa de Pós-Graduação em Direito
Fundamentos Teórico-Filosóficos da Experiência Jurídica: essa linha de pesquisa tem por escopo pensar os fundamentos do direito e do conhecimento jurídico, voltando-se à investigação em torno das condições de possibilidade da experiência jurídica. Para tanto são estudados os conceitos fundamentais da experiência jurídica (direito, norma, ordenamento, etc. ) e é proposta a discussão dos temas fundamentais da experiência jurídica nos grandes autores contemporâneos da teoria do direito, considerando-se que indagar acerca dos pressupostos do conhecimento e do agir é indagar acerca da experiência humana, das condições de possibilidade da atividade teórica e da atividade prática.
Equipe Executora da Pesquisa:
Antonio Goya Martins Costa (Graduação Direito PUCRS)
Arthur Amaral Reis (Graduação Direito UFRGS)
Carla Marrone Alimena (Mestrado Direito UFRGS)
Clarissa Cerveira de Baumont (Graduação Direito UFRGS)
Eduardo Gutierrez Cornelius (Graduação Direito UFRGS)
Erica Ferraz (Mestrado Ciências Criminais PUCRS)
Felipe Berton (Mestrado Ciências Criminais PUCRS)
Flora Valls (Graduação Direito UFRGS)
Greice Redlich (Graduação Direito UFRGS)
Janaína Bujes (Graduação Ciências Sociais UFRGS)
Juliana Azevedo (Graduação Direito UFRGS)
Leonardo Gunther (Pesquisador GCrim)
Mariana de Assis Brasil e Weigert (Doutorado Psicologia UFRGS)
Mariela Wudich (Graduação Direito UNIRITTER)
Natalia Bittencourt Otto (Jornalismo PUCRS)
Natalia Bittencourt Otto (Jornalismo PUCRS)
Paula Gil Laruscahim (Pesquisadora GCrim)
Salo de Carvalho (Coordenador)
Samuel Sganzerla (Graduação Direito UFRGS)
Vitor Guimarães (Graduação Direito UFRGS)
Objetivos
Geral: O objetivo do projeto é indicar as representações e realizar o mapeamento do conteúdo e da forma como as notícias sobre o crime, a criminalidade e a resposta punitiva são veiculadas nos três jornais de maior circulação no Rio Grande do Sul e observar a adesão ou a refutação ao estilo sensacionalista de informação.
Específicos:
(a) Analisar a forma e o conteúdo de cobertura do crime e da criminalidade naimprensa gaúcha;
(b) Verificar os discursos político-criminais que acompanham a cobertura do crime e da criminalidade na imprensa gaúcha;
(c) Apontar as distintas formas de cobertura da imprensa a partir dos fatores: espécie de crime, status político-econômico e social do criminoso;
(d) Tabular a incidência dos crimes na imprensa gaúcha;
(e) Verificar o espaço destinado para as notícias sobre crime, criminalidade e política criminal nos jornais gaúchos e a maneira como são abordados pelos veículos de imprensa;
(f) Investigar as formas sensacionalistas de criação de pânicos morais no Rio Grande do Sul.
Os objetivos específicos delineiam as principais questões a serem respondidas pela pesquisa.
Em relação à questão criminal:
(a) Quais as espécies de delitos divulgados pelos principais veículos da imprensa escrita gaúcha?
(b) Quais os critérios de classificação das matérias sobre crime e criminalidade nos principais jornais do Rio Grande do Sul?
(c) Qual o espaço dedicado às matérias sobre crime e criminalidade nos jornais referidos?
(d) Quais os principais marcadores (termos recorrentes) utilizados para referir crimes, autores dos crimes e vítimas dos delitos?
(e) Quais as circunstâncias do fato ou dos envolvidos destacados?
(f) Quais as circunstâncias do fato ou dos envolvidos eleitas para compor os títulos das matérias?
(g) Quais as fontes frequentemente citadas pelos jornais como especialistas na matéria?
(h) Quais as imagens que são associadas às matérias sobre crime e criminalidade?
Em relação à questão penal:
(a) Quais as espécies de delitos mencionadas?
(b) Qual o espaço dedicado à questão penal pelos jornais?
(c) Quais os principais marcadores (termos recorrentes) utilizados pelos periódicos?
(d) Quais as fontes citadas pelos jornais como especialistas na questão penal?
(e) Quais os temas político-criminais abordados?
(f) Quais os problemas político-criminais apontados?
(g) Quais as soluções político-criminais indicadas?
(h) Quais as imagens que são associadas às matérias sobre a questão penal?
(i) Quais fatos específicos geraram a matéria sobre questão penal?
(j) Quais as circunstâncias do fato eleitas para compor os títulos das matérias.
Tema
O tema de investigação é Crime e Mídia, mais especificamente a cobertura do crime, da criminalidade e da resposta punitiva nos maios de comunicação.
Delimitação do Tema e Problema de Pesquisa
Delimitação Temática: O conteúdo e a forma de cobertura do crime, da criminalidade e da resposta punitiva na mídia impressa do Rio Grande do Sul
Problema: A relação entre crime e mídia é tema de grande incidência na literatura criminológica e jurídico-penal. Todavia, embora seja questão recorrente, são escassos, no Direito nacional, os estudos sobre a forma e o conteúdo da cobertura jornalística. Desta forma, o problema que move a pesquisa é o do nível de adesão, de adequação ou de refutação da imprensa escrita gaúcha ao sensacionalismo, categoria que descreve as formas de criação de pânicos morais. Em forma interrogativa: quais são as formas e o conteúdo da informação sobre o crime e a criminalidade preponderantes na imprensa escrita gaúcha?
Justificativa e Procedimento de Pesquisa
01. Em 2010 foi formado o Grupo de Pesquisa em Ciências Criminais (GCrim), vinculado ao Departamento de Ciências Penais da UFRGS, com atividades de pesquisa e extensão nas linhas Ciência e Experiência Criminológica e Ciência e Experiência do Direito Penal.
As primeiras atividades do GCrim desenvolveram-se no sentido de solidificar base teórica crítica para análise dos fenômenos crime e criminalidade nos dias atuais. Nesse sentido, o GCrim realizou inúmeros seminários bibliográficos (grupos de estudo) e atividades de extensão (palestras, debates, sessões de cinema), de forma a garantir aos seus integrantes imersão nas questões contemporâneas da Criminologia e do Direito Penal.
Após o trabalho desenvolvido durante o ano de 2010, os integrantes do GCrim sentiram necessidade de desenvolver pesquisa empírica sobre temas relativos às questões penais e criminais.
Em razão de o tema mídia, crime e criminalidade ter permeado grande parte dos debates ao longo do ano, a proposta apresentada foi a de analisar, na imprensa estadual, a forma de cobertura das questões penal e criminal.
02. Nas primeiras reuniões realizadas no mês de novembro de 2010 foram debatidos os meios de comunicação a serem analisados.
Houve a limitação da pesquisa à mídia física e escrita (jornais de circulação estadual) devido a dois fatores. O primeiro foi em decorrência da possibilidade efetiva de documentação. Diferentemente do que ocorre em relação ao rádio e à televisão, a pesquisa em jornais permite melhor manuseio, registro e armazenamento do material em banco de dados. O segundo fator foi em relação à estabilidade do conteúdo da informação dos jornais escritos, o que inocorre, p. ex., em relação ao material disponibilizado na web, em constante alteração.
Assim, a concentração da investigação nos jornais de circulação estadual parece a mais adequada do ponto de vista metodológico.
03. O segundo momento de discussão e de escolha foi em relação aos veículos (jornais) que seriam analisados. Optou-se por veículos que tivessem penetração em todo o Rio Grande do Sul. Assim, jornais exclusivamente locais foram descartados. Foram selecionados, portanto, jornais editados em Porto Alegre, que circulam por todo o Estado, com notória expressividade: Zero Hora, Diário Gaúcho e Correio do Povo.
Os critérios para a escolha dos jornais Zero Hora e Correio do Povo foram a tradição na área (veículos antigos e consolidados no RS, criados em 1964 e 1895, respectivamente), a abrangência e a expressa apresentação da postura imparcial do veículo. Sobretudo em relação ao último critério, a avaliação preliminar destacou o constante esforço dos periódicos em apresentar ao público leitor a idéia de que os seus textos jornalísticos são fundamentalmente descritivos. A preponderância da descrição sobre a valoração garantiria ao jornal os atributos de isenção e imparcialidade, qualificativos que atestariam a credibilidade da informação.
O jornal Diário Gaúcho, vinculado à RBS – empresa de comunicação que produz o jornal Zero Hora – embora tenha surgimento mais recente (criado no ano de 2000), expandiu-se rapidamente abrangendo um público leitor que os demais jornais não contemplavam: as classes populares. Seu alcance é estadual e a circulação tão ampla quanto dos demais. Assim, o direcionamento a este segmento justifica sua inclusão, sobretudo porque pode trazer importantes distinções quanto à abordagem, circunstância que merece análise e interpretação.
04. Definidos o meio (imprensa escrita) e os veículos (jornais Zero Hora, Diário Gaúcho e Correio do Povo) de comunicação, foram estabelecidos quatro critérios de seleção do tipo de notícia a ser analisada: (a) conteúdo político-criminal, (b) abrangência espacial, (c) classificação jornalística e (d) forma de abordagem.
Em relação ao conteúdo político-criminal, as notícias foram classificadas em duas categorias: questão penal e questão criminal. Na questão penal foram agrupadas matérias vinculadas ao debate sobre a legislação penal e sua reforma. Na categoria questão criminal foram reunidas reportagens relativas à cobertura jornalística sobre a forma e as espécies de delitos e seus sujeitos (autores e vítimas).
Quanto à abrangência espacial das notícias, foram objeto de investigação as matérias de cunho regional e nacional. Excluíram-se, portanto, notícias sobre crimes internacionais, restringindo-se a análise aos fatos que geram maior impacto na comunidade (Brasil e, em especial, Rio Grande do Sul).
A restrição de abrangência possibilitou estabelecer segunda linha de corte relativa à classificação da notícia pelo veículo. Assim, se excluídas as informações veiculadas nos cadernos internacionais, foram incluídas todas as matérias produzidas nos cadernos policiais e as reportagens relativas ao tema dispersas em outros cadernos. Isso porque o critério de definição da matéria como “criminal ou penal” não pode ser totalmente rígida e limitada à forma de classificação da notícia como policial pelos jornais. Na maioria dos casos, as sessões policiais relatam o que pode ser denominado como criminalidade tradicional, ou seja, os crimes cotidianos que definem geralmente a agenda das agências de repressão e prevenção, tais como crimes violentos contra a vida (homicídios), crimes patrimoniais (furtos, roubos, seqüestros e latrocínios), crimes sexuais (estupros) e comércio de drogas (tráfico).
No entanto, a divulgação sobre crime e criminalidade tem seu espaço alterado quando certas características qualificam e diferenciam o delito. Exemplo notório dessa situação foi verificado quando analisados periódicos que relatavam o denominado “Caso Bruno” – no início da investigação estavam acontecendo inúmeros procedimentos investigatórios sobre o caso, inclusive com depoimentos pessoais dos envolvidos, fatos que geraram muito informação na imprensa. Apesar de a acusação contra os denunciados ser de homicídio qualificado e seqüestro, invariavelmente as informações ocupavam o espaço dos cadernos esportivos, em face de um dos envolvidos (Bruno) ser figura de destaque no futebol nacional.
Outras variáveis similares relativas à classificação do crime pela imprensa e à escolha do espaço jornalístico de divulgação puderam ser percebidas no início da investigação. Os denominados crimes de colarinho branco ou crimes econômicos (sonegação de tributos, evasão de divisas, gestão fraudulenta ou temerária de Instituição Financeira, entre outros) normalmente são divulgados nos cadernos de economia, assim como os crimes que envolvem agentes políticos (corrupção, apropriação de verbas públicas, fraude em licitações entre outros) invariavelmente figuram nos cadernos de política. Observaram-se, igualmente, casos particulares de reportagens especiais sobre crime e criminalidade. Logicamente, esta distinta distribuição das matérias nas diferentes sessões dos jornais constitui-se, por si só, importante objeto de análise na investigação sobre a cobertura jornalística do crime e da criminalidade, indicando reveladores dados acerca da desigual distribuição de rótulos pelas agências informais que configuram o sistema de justiça criminal.
O último critério de seleção do conteúdo da notícia foi a forma de abordagem jornalística. Conforme destacado, notou-se a preponderância de dois tipos de abordagem: textos descritivos e textos opinativos.
Assim, optou-se por restringir o panorama da pesquisa aos textos jornalísticos considerados factuais ou descritivos. Foi possível notar que estes textos são redigidos sob a orientação de um modelo de objetividade e de imparcialidade, ou seja, as matérias descritivas criam uma narrativa em que a informação é transmitida aos leitores como exposição de um fato verídico, de uma realidade evidente, e não como uma representação ou uma interpretação da realidade. Análise dos critérios de construção das matérias e de redação dos textos, ou seja, dos requisitos de apuração dos acontecimentos à exposição da informação, indicam essa orientação e crença jornalística na objetividade e na imparcialidade da notícia.
Diferentemente ocorre com a abordagem opinativa, em que o posicionamento do autor do texto não apenas é admitido, como esperado pelo leitor e, conforme destacado, os autores não necessariamente são jornalistas de formação. Assim, possível dizer que esta espécie de matéria apresenta conteúdo menos jornalístico em relação aos de abordagem descritiva, motivo pelo qual foram excluídos do universo de análise e do banco de dados. De igual maneira em relação aos editoriais que, apesar de refletirem a posição do jornal sobre temas relevantes, constituem-se como narrativas de posicionamento.
A informação selecionada, portanto, foi restrita àquela que procura apresentar ao público visão imparcial dos fatos e que permite ao leitor maior espaço para representação e construção da imagem sobre crime e criminalidade.
05. A etapa seguinte foi a de elaboração de instrumento analítico para aplicação no material selecionado. A construção do instrumento foi possível a partir de uma série de testagens realizadas pelo grupo em forma de pilotos.
O primeiro piloto foi realizado com os jornais Zero Hora e Correio do Povo do dia 25 de novembro de 2010. A escolha da data, apesar de aleatória, possibilitou fossem estabelecidas inúmeras questões de relevância para a pesquisa, pois coincidiu com a semana na qual tropas da Polícia Militar do Rio de Janeiro ocuparam o Complexo do Alemão. As manchetes de capa (Rio em Chamas) e os cadernos especiais (Guerra do Rio: Jornada de Terror) sobre a ação policial indicaram importantes caminhos para eleição dos problemas de investigação, isto é, para definição das perguntas a serem realizadas ao objeto de pesquisa.
O tema de pesquisa (Mídia e Sistema Penal) e sua delimitação à Cobertura Jornalística sobre Crime e Criminalidade na Imprensa Gaúcha, aponta para o seguinte problema: quais são as formas e o conteúdo da informação sobre o crime e a criminalidade preponderantes na imprensa escrita gaúcha?
O objetivo geral da investigação é, portanto, indicar as representações sobre crime e criminalidade preponderantes nos principais veículos da imprensa escrita gaúcha. No entanto, para mapear a forma e o conteúdo das representações, foi necessária a construção de quadro de interrogantes que, ao mesmo tempo, definiram os objetivos específicos, expostos no item objetivos.
06. Como conclusões preliminares é possível dizer que a presente investigação visa problematizar as representações sobre o fato delituoso e a criminalidade presentes nos principais jornais da imprensa gaúcha. De maneira específica, busca realizar um mapeamento do conteúdo e da forma como as notícias são veiculadas nos três jornais de maior circulação no estado do RS, levando em conta quais os delitos que são noticiados, qual o espaço destinado para tais notícias nos jornais e de que maneira estes fatos são abordados pelos veículos de imprensa.
A partir destes questionamentos, pretende verificar se há uma abordagem sensacionalista nas matérias sobre crimes e de que maneira tais elementos são evidenciados. Como instrumento metodológico são aplicados questionários contendo uma série de indicadores, com os quais foram coletadas as informações relativas às questões penais (discursos político-criminais) e criminais (matérias sobre delitos) das reportagens publicadas nos jornais Zero Hora, Diário Gaúcho e Correio do Povo dos dias 01 a 30 do mês de abril de 2011. Os jornais foram considerados em sua integralidade, representando o arquivo da pesquisa, a partir do qual foi extraído o corpus para análise.
Ao contrário do que inicialmente se imaginava, os dados preliminares indicam que as notícias de crimes não se restringem ao editorial de polícia dos jornais, mas estão dispersas em toda a edição.
Assim, se o editorial de polícia reúne as notícias relativas aos “crimes de rua”, tradicionalmente selecionados pelo sistema penal, outras formas de delinqüência são dispostas nas demais editorias, seja pelo bem jurídico envolvido, seja pela autoria que lhe atribuem. É possível constatar, preliminarmente, que os jornais criam “ondas de criminalidade”, ao pautarem delitos que em princípio não possuem relação entre si como eventos interligados, colaborando assim, para a sensação de medo e insegurança social.
A análise inicial aponta que o grau de sensacionalismo e a forma de abordagem do texto jornalístico nos casos analisados variam conforme o jornal onde foi publicada a notícia e, ainda, o editorial onde a matéria está inserida.