domingo, 26 de junho de 2011

Vidas que Importam

A matéria da Zero Hora do dia 25 de junho não possui características propriamente sensacionalistas. O texto é descritivo e informativo. Talvez a imagem pudesse ser diversa.
Mas o que chama atenção é o relato abaixo, redigido pela Mari Weigert.

(Jornal Zero Hora, 25 de junho de 2011, p. 38)



Vidas que Importam (Mari Weigert)

Saía para o trabalho na manhã da última sexta-feira ouvindo a rádio do principal veículo de notícia da região sul do país. O locutor, um senhor com ideias comprovadamente conservadoras (pesquisa realizada por mim todas as manhãs), quando eu cruzava o portão, informa que uma mulher de nome tal, 41 anos, havia sido, provavelmente atropelada nas imediações da av. Bento Gonçalves. Fiquei mais atenta que o habitual à notícia por se tratar do meu trajeto até o trabalho, concluindo, no entanto, que não precisava me preocupar com o impacto de ver a pessoa, pois como é de praxe, se tivesse que ser socorrida já teria sido até eu chegar ao local, bem como se tivesse, infelizmente, morrido, no mínimo, a pobre mulher estaria coberta.
No entanto, quando eu já me aproximava, cerca de uma sinaleira antes, o repórter que estava no local transmite ao locutor a informação de que agora apurara mais detalhes: tratava-se de uma presa do albergue anexo do presídio feminino Madre Pelletier que havia sido baleada. Os policiais da Brigada Militar, inclusive, haviam tentado reanimá-la, mas não houve como salvar-lhe a vida. Ao devolver à palavra ao radialista, este não teceu um único comentário. Justo ele que tem sempre o discurso punitivista dos altos índices de criminalidade na ponta da língua, na manhã de sexta-feira, calou-se, não esboçou qualquer reação. Ao saber que a vítima do homicídio era uma detenta, passou a entender o ocorrido de outra forma, provavelmente pensando que, pela primeira vez, a "bandidagem que atormenta a capital gaúcha e o país inteiro", estava a seu favor. Agora um criminoso tirava a vida de outro e assim, ao menos, não era o corpo de um homem de bem que no cordão daquela calçada jazia.
Pensava sobre isso quando cruzei a avenida Bento Gonçalves. Ao olhar pela janela, a poucos metros do carro, estava a mulher caída. Os pés na calçada, cruzados um sobre o outro, o resto do corpo na via pública, de bruços. O sangue escorria perto da cabeça. Diferentemente do que eu supunha, portanto, não havia nada cobrindo o corpo, ele se encontrava intacto desde o momento em que tombara, provavelmente. O carro da Brigada estava próximo, e seus agentes demonstravam-se bastante preocupados em organizar o trânsito, afinal, era a hora do cidadão honesto ir trabalhar. A posição em que a mulher estava indicava que nenhuma tentativa de reanimação havia sido realizada, distintamente do que o veículo de comunicação, aquele (de)formador de opinião do povo gaúcho, havia relatado.
Ainda tocada pela imagem, pelo sentimento, pela vida que acabara de acabar, adentro o portão da instituição em que trabalho. E antes que eu tivesse tempo de estacionar e desligar o rádio, o locutor trocara de assunto: comentava em tom sério e bastante incisivo o absurdo que é um ser humano maltratar animais. Mencionava bastante orgulhoso que é defensor da causa, que certa vez chegou mesmo a ir à casa de um cidadão dizer-lhe com todas as letras que precisava cuidar do seu cão, que o pobre bichinho ficara um final de semana inteiro de verão sem água e isso, ah, isso ele jamais poderia tolerar. O senhor radialista, naquela fria manha de sexta-feira, deixou claro que o que tolera são os maus tratos contra o ser humano, desde que o corpo estirado no chão, exposto para quem quiser ver na avenida movimentada, seja o de alguém cuja vida simplesmente não importa.

A Família contra as Drogas

O destaque é da capa do Jornal Zero Hora de 17 de junho de 2011.
Dentre os inúmeros recursos que o veículo utiliza em sua campanha contra o crack (Crack nem Pensar), a exposição da luta das famílias contra a droga é uma variável constante.
Na matéria, o sofrimento de uma avó para manter seu sustento, cuidar do neto e salvar a filha do vício.

terça-feira, 21 de junho de 2011

Terror e Paixão

As capas dos jornais, por si só, permitem uma análise da forma jornalística de representar e de construir a realidade. Dos vários elementos que compõem a estética sensacionalista, a imagem inegavelmente é o principal recurso da mídia.
No caso noticiado hoje nos jornais da Província, a imagem espetacularizada ganha forte significado no Diário Gaúcho, sobretudo quando associada aos termos-chave do título e do 'chapéu' da matéria: "drama" e "terror".
A Zero Hora, na capa, apenas chama o leitor para a reportagem da editoria de polícia. Assinada pelo especialista em segurança pública, a reportagem é centrada na valoração da forma de abordagem da polícia, ou seja, se seria correto ou não invadir o domicílio. A imagem das vítimas mortas sendo recolhidas pela ambulância e alguns marcadores como "sua segurança" - título da coluna do especialista - conferem um colorido espetacular à notícia.
No Correio do Povo a narrativa opta por um estilo preponderantemente narrativo-descritivo. No entanto, a associação do texto com as imagens da ação policial permite perceber o uso de alguns elementos e signos sensacionalistas.

(Zero Hora, 21 de junho de 2011 - Chamada de Capa)

(Zero Hora, 21 de junho de 2011 - Matéria)

(Diário Gaúcho, 21 de junho de 2011 - chamada de capa)

(Correio do Povo, 21 de junho de 2011 - chamada de capa)

(Correio do Povo, 21 de junho de 2011 - Matéria)

terça-feira, 14 de junho de 2011

Descrição e Valoração na Informação

Os três jornais de maior circulação na Província publicaram, nas matérias de capa, na data de hoje, notícia sobre a fuga de um preso, durante o final de semana, que estava cumprindo pena na PASC - Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas.
Inúmeras questões poderiam ser analisadas como o espaço da chamada, as imagens e a disposição do texto. Chamo atenção, porém, para o conteúdo (texto) veiculado, com especial referência para dois estilos diversos de redação: descritivo e opinativo-valorativo. O último caracteriza a estética sensacionalista.

[Correio do Povo, 14 de junho de 2001]

[Diário Gaúcho, 14 de junho de 2001]

[Zero Hora, 14 de junho de 2001]

sábado, 11 de junho de 2011

Reformas Penais e Pânicos Morais


A capa do jornal Zero Hora de 12 de junho destaca a reforma parcial do Código de Processo Penal pela Lei 12.403/11, que trata das prisões cautelares, que entrará em vigor em 05 de julho.
Na chamada da matéria é possível perceber alguns elementos próprios dos discursos de pânico moral: "lei dificulta prisão", "prisão será admitida em casos excepcionais", "especialistas temem aumento da criminalidade".
Embora no texto sejam contrapostos argumentos contrários e favoráveis ao novo estatuto - apontando para  um estilo descritivo de reportagem -, os destaques da capa, o chapéu da reportagem ("Prisão em Último Caso"), o resumo das mudanças e, sobretudo, as imagens e os exemplos construídos, assumem nitidamente um caráter sensacionalista de corte punitivista. O texto geral da reportagem conduz à conclusão de que o juiz, mesmo convencido da 'periculosidade do criminoso', será obrigado a revogar a prisão em razão da nova lei.
Duas observações creio importantes.
Primeira: o regime das prisões cautelares, no que tange aos requisitos e aos fundamentos, não foi em nada alterado. Pelo contrário, a proposta inicial era de excluir a cláusula aberta "clamor social", responsável pelo falta de critérios objetivos nos decretos de prisão.
Segunda: os estudos criminológicos em vários países demonstram que as alternativas à prisão (prisão-pena ou prisão-processo) normalmente ingressam no sistema como aditivos e não substitutivos. No Brasil, temos o exemplo claro da Lei 9.714/98 que, ao ampliar as hipóteses de penas alternativas, não obstaculizou o vertiginoso aumento da prisão e, ato contínuo, produziu aumento de condenações com aplicação das "medidas alternativas", incrementando o número de pessoas sujeitas ao controle penal - tratei exatamente disso na primeira parte do livro "O Papel dos Atores do Sistema Penal na Era do Punitivismo".
A tendência, portanto, é de que as medidas alternativas à prisão preventiva produzam o mesmo efeito: (a) manutenção da alta proporção de prisões cautelares em relação à pena; e (b) inovação na imposição de condições àqueles que responderiam o processo em liberdade, alargando o controle punitivo.